segunda-feira, 23 de julho de 2007

Autoria, ego e outras conversas



Hoje à noitinha recebi uma ligação da Marema, um dos donos da produtora em que trabalho. Ela é, dentre outras coisas, alguém que tenho toda a liberdade e confiança para conversar sobre questões profissionais e pessoais. Afinal, ela me conhece a quase 30 anos.
Perguntei sobre o blog, se ela tinha lido e o que tinha achado.
O caso é que deixei de escrever sobre algo que é importante para ela. Sobre a autoria do roteiro do 38.
Bem, escrevi bastante sobre isso, mas não deixei suficientemente claro alguns pontos do roteiro que, certamente, deveriam ter sido comentados.
A idéia original do projeto é minha, assim como o desenvolvimento da narrativa e a versão final do roteiro. No entanto, uma vez que a produtora concordou em produzir o projeto, realizei conjuntamente ao Renato e a Marema inúmeras reuniões sobre o roteiro.
Discutimos desde a concepção da idéia até o formato dela, passando por diálogos e caracterizações dos personagens. E certamente parte do que o roteiro se transformou foi fruto destas conversas.
Na realidade conversei sobre isso com muita gente. Amigos, colaboradores e até gente que nunca conheci pessoalmente mas que tive contato em listas de discussões pela internet.
Mas de fato, uma vez que o roteiro se tornou um projeto da produtora, tivemos mais discussões sobre a história e sua narrativa do que eu tive com quaisquer outras pessoas.
Escrevi, nas primeiras publicações que fiz neste blog que o desfecho da história tinha sido uma sugestão do próprio Renato. Sugestão esta que me solucionou um grande problema na conclusão da trama e que, devo assumir sem maiores prejuizos, foi absolutamente fundamental para a versão que tenho hoje.
Porém nunca havia pensado sobre a questão da autoria do projeto como uma construção coletiva a ponto de ser creditado como tal. Entendi nestas ocasiões que esse trabalho de discutir e pensar o roteiro estava sendo feito como uma coisa natural, inerente a um processo criativo que envolvia um autor e uma produtora que bancasse as idéias deste autor.
Entendia que, de certa forma, em toda realização artística – e um roteiro entendo como tal – a troca de conhecimentos e experiências sobre os temas abordados na proposta eram necessários e importantes para seu desenvolvimento, mas não envolviam necessariamente autoria ou crédito.
Não sei se o comentário da Marema foi exatamente neste sentido, mas certamente me levou a reflexões desta natureza.
Acho até que no caso específico de minha história, o que a Marema quis dizer foi simplesmente que eu poderia ter sido mais gentil e até simpático dizendo que, para que o roteiro chegasse ao ponto de ser filmado, eu teria contado com a experiência dela e do Renato. Creio que seu eu tivesse sido mais cuidadoso e tivesse creditado a eles parte da versão final da história, tudo estaria resolvido.
De qualquer modo, acho que faz sentido para quem pretende desenvolver o “cinema de autor” pensar sobre a questão da propriedade intelectual de sua arte. Mais do que isso, acho que é importante pensar sobre como uma história é construida à partir da justaposição de diferentes experiências e que assumir uma história como “tua”é omitir o processo pela qual ela foi feita.
Um outro ponto de nossa conversa foi uma contradição encontrada pela Marema entre a forma que eu me referia aos outros profissionais envolvidos no filme e a maneira pela qual eu propunha ser o processo de construção dele.
Em outras palavras, a Marema identificou uma contradição entre o uso que eu fiz do pronome “meu” e de minhas propostas para o filme.
Se por um lado eu escrevi diversas vezes que “apenas a construção coletiva fazia sentido” e que eu preferia “o nosso ao meu”, por outras tantas vezes eu me referi ao diretor de arte do 38 como sendo “o meu diretor de arte”. “Meus atores”, “meu fotógrafo”, “meu diretor de produção” foram termos usados diversas vezes em meu discurso.
Realmente faz sentido. De fato se eu proponho um filme feito à partir da soma de experiências e cujo resultado seria um filme não apenas com a minha cara, eu não deveria ser tão possessivo no tratamento da equipe do filme, tratando-a pois, apenas como diretores do filme, atores do filme, etc.
Aqui acho que meu ago foi descoberto. Gostaria de dizer que fora inconsciente, mas temo que a esta altura não devo permitir tais excessos de inocência...
De fato creio ser natural uma certa posse sobre aquilo que fazemos parte tão intensamente. E no caso específico de uma criação artística, presumo que isso seja ainda mais forte, uma vez que nesta categoria de trabalhadores a humildade nunca foi uma qualidade marcante.
E aí a auto crítica deve manter vigília ainda mais ferrenha... Realmente não faz o menor sentido escrever “nosso”e no fundo querer dizer “meu”. Seria mais honesto portante assumir logo a autoria do filme e deixar as xurumelas para os que têm tempo para isso.
Porém de fato prezo pela construção coletiva, ainda que eu possa assumir que meu ago se infla muitas vezes. E o melhor que faço é assumir isso neste espaço e simplesmente evitar novos acontecimentos...
Acho que por hoje é só.

Boas noites.

Hidalgo Romero

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