quinta-feira, 19 de julho de 2007

A produção






Esta semana tive uma reunião bastante importante com o diretor de produção do 38, Julio Matos. Foi talvez a primeira reunião em que pudemos fazer uma avaliação do processo de produção do filme. Cada um de nós colocou todos os problemas e questões envolvidas no trabalho e, cada qual a sua maneira, tentou propor soluções.
Da minha parte me deparei com as seguintes questões: Adotei por meta uma frase do David Mamet, cineasta americano sobre a direção de cinema.
“A função do diretor é elaborar a sequência de planos à partir do roteiro. O trabalho no set de filmagem não é nada. No set de filmagem só se precisa ficar acordado, seguir o planejamento, ajustar os atores a serem simples e manter o senso de humor. O filme é dirigido ao se elaborar a sequência de planos. O trabalho no set de filmagem é simplesmente o de registrar o que foi escolhido para ser registrado. É o planejamento que faz o filme”.
A verdade seja dita: O Julio já havia me cantado esta bola antes. Quanto melhor estiver preparado e planejado o filme antes das filmagens, mais espaço para a criação o diretor vai ter ao rodar o filme.
Como disse, adotei este princípio totalmente. Talvez por isso eu esteja “perdendo tanto tempo” na definição dos planos. Um diálogo entre o protagonista e seu amigo e dono de bar, Pedrão, poderia ser facilmente registrado com planos e contra planos. Mas aí, penso eu, seria tão fácil quanto comum.
Einsenstein defende a idéia das imagens auto-infletidas. Não sei bem se entendi totalmente a questão, mas, mesmo correndo o risco de escrever coisas não totalmente corretas (e neste caso, se algum leitor resolver por bem me corrigir, faço votos...), vou expor minha leitura do que ele propõe. Ele acha que o filme se constrói `a partir dos cortes, e não dos planos. Isto é, ao querer contar uma determinada cena, ao contrário de muitos filmes do cinema americano (Griffith, por exemplo) que tem por hábito seguir o personagem e com isso contar o que o personagem faz, ele deve estruturar a narração dando a idéia de como a ação deve transcorrer com imagens que dão a idéia daquilo que se quer contar.
Um exemplo clássico: A intenção da cena é descrever uma situação de alerta. Segunda Einseinstein, e seu grande entusiasta David Mamet, normalmente coloca-se o personagem a olhar tenso para o horizonte, ou realizando uma sequência de ações que descrevem seu estado de tensão. Na idéia de imagens auto-infletidas, esquece-se temporariamente o personagem. Um gato sentado que subitamente levanta suas orelhas em estado de alerta. Depois, uma pessoa qualquer acende a luz da varanda de sua casa e sai na porta. O terceiro plano é o personagem de fato em alerta.
Ou ainda outro exemplo: Um encontro casual: Mostra-se um plano de pés caminhando rapidamente. Depois um homem sentado se levanta e olha bruscamente para o lado. O terceiro plano, naturalmente é o encontro.
Outro exemplo filmado: Alfred Hitchcock no Psicose, quando a moça no banho é morta. Ele mostra a faca, a mão dela agarrada no plástico do box e por fim o sangue descendo pelo ralo. Nós não vemos a faca propriamente entrando. Nem o assassino raivoso, nem a expressão de terror da assassinada.
Neste tipo de construção do filme, à partir dos cortes e não dos planos, deixa-se o trabalho de concluir o resultado da cena com o espectador. Ou melhor, ainda que o diretor acabe por mostrar obviamente o resultado de sua montagem auto-infletida, o espectador participa do filme na medida em que ele se antecipa à conclusão da cena e por si tenta chegar a uma conclusão sobre essa construção. É no meu entender uma maneira de considerar a inteligência de quem resolve gentilmente assistir ao seu filme. É respeitar o espectador e contar com ele para o sucesso da exibição.
Por isso tenho perdido tanto tempo em definir os planos de meu filme. E a coisa é ainda pior uma vez que tenho vivenviado um processo dinâmico na maneira como eu vejo meu filme: A cada locação, a cada trabalho com ator, a cada plano desenhado volto na visão do filme como um todo e faço o “ajuste fino”de todo o resto dos planos, das exigências, da produção de modo a adequar toda a peça a minha nova definição de planos.


Bem, a questão é que meu diretor de produção, Julio Matos acha que um curta metragem deve ser feito de outra maneira. Ele acha que tanto preciosismo e zelo complica. Não me entendam mal. Ele, em suas produções é muito rigoroso com a técnica e exigente com a qualidade da imagem. Não se trata absolutamente de fazer a coisa mal feita e sim de simplificar a produção. Uma concepção de se fazer cinema. Uma busca pela simplicidade, na contra mão da super produção.
Tratando-se de um curta metragem, sem dinheiro, a coisa deve ser pensada de modo a facilitar o trabalho. O número de planos devem ser estabelecidos contando com o número de dias estabelecidos no plano de filmagem. Os movimentos de câmera devem ser pensados levando em conta a natureza do trabalho.
A argumentação dele sustenta que um curta deve ser muito prazeroso e simples. Há quem diga que o curta metragem é a melhor escola para o longa.
Desta forma, a crítica que a produção me coloca é que tenho sido um tanto quanto lento em minhas definições e além disso, tenho levado mais problemas à produção do que esta produção pode resolver. Eu não estaria portanto me esforçando para adequar às características de produção possíveis.

Bem, tenho pensado muito nisso e de certa forma entendo e compartilho desta opinião. No entanto também vejo outras questões envolvidas.
Ao meu ver a produção é 50% movida por recursos materiais e 50% movida por criatividade. Isso siginifica que uma produção afinada permite que o diretor e a produção possam propor soluções criativas para problemas objetivos e para mudanças de concepções que o diretor pode ter no processo de construir um filme, inerentes à ele, sem necessariamente onerar custos extras. Esse tipo de afinação objetiva e prioriza, como não poderia ser diferente, única e exclusivamente o melhor resultado de um filme.
Se uma produção enfrenta problemas, ausências, carências, isso de alguma forma limita a criatividade do diretor e da fotografia e arte, por exemplo. Estes problemas por sua vez podem ser de naturezas distintas: falta de recursos, falta de motivação, falta de experiência, falta de coordenação, entrosamento e criatividade.
Finalmente eu acho que o limite entre simplicidade e bom resultado depende muito do quanto e do como a produção funciona. Por sua vez, também depende da sensatez, experiência e bom senso do diretor, que tem por obrigação seduzir e motivar sua equipe, equilibrando devaneios criativos com soluções possíveis à produção. Se possível tendendo ao limite do possível e cedendo diante do improvável.
Um outro agravante em uma produção se dá quando o diretor, por qualquer razão – incompreensão dos papéis em uma produção ou necessidade de suprir carências nela – acaba desenpenhando outras funções que não a de dirigir.
Se o diretor tem que ir buscar locações, preocupar-se com ofícios e requerimentos e outras questões típicas da realização de um filme, ele deixa de fazer com competência aquilo que ele deveria preocupar-se: a concepção do filme. A definição dos planos, da fotografia, dos movimentos de câmera, da arte. Por necessidade ou por equívoco, o diretor que se ocupa de questões outras que não sua própria função acaba por, quase que necessariamente, realizar de maneira mediana seu próprio trabalho.
É claro que em produções pobres ou com poucos recursos isso acaba sendo inevitável. Daí a dificuldade em se fazer bons filmes, uma vez que isso ocorre quase sempre no Brasil.

Em outras palavras, acabei decidindo que a crítica de minha produção é pertinente e razoável, uma vez que enfrentamos determinadas características humanas e materiais específicas, e que tenho que buscar soluções criativas e simples para os problemas que temos enfrentado. Está correta a leitura do Julio diante de nossas próprias características. Tentarei ao máximo solucionar com leveza, beleza e justeza minhas idéias como diretor à produção do filme. Porém deixo registradas minhas reflexões sobre essa importante relação entre a direção e a produção e sobretudo, para próximas realizações, sobre as próprias concepções de produção de um curta metragem.

Hidalgo Romero

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